A primeira razão pela qual os “santos reunidos” são
relativamente poucos em número é que estamos em um dia de coisas pequenas.
Zacarias 4:9-10 diz, “As mãos de Zorobabel têm fundado esta
casa, também as suas mãos a acabarão, para que saibais que o Senhor dos
Exércitos me enviou a vós. Porque, quem despreza o dia das coisas pequenas?”.
Os tempos em que Zacarias foi chamado a viver foram dias de testemunho
remanescente. Naquele tempo, o Senhor permitiu que Seu povo fosse levado para a
Assíria (2 Rs 17:6) e para a Babilônia (2 Rs 24-25), e apenas um remanescente
deles tinha retornado ao centro divino em Jerusalém. Um dos traços
característicos de um testemunho remanescente é que ele é “pequeno”
– a maior parte do povo de Deus é vista não estando nele. Vivemos em dias de
testemunho remanescente na história da Igreja e não podemos esperar que haja
grandes números de pessoas reunidas ao nome do Senhor da forma que Deus
originalmente pretendia antes que a ruína entrasse.
Acredito que é de extrema importância compreender o que se entende
por “um testemunho remanescente”; então deixe-me explicar mais detalhadamente.
Um grande princípio segundo o qual Deus age, quando aquilo que Ele confiou em
testemunho nas mãos dos homens falha, é que Ele reduz o seu tamanho, força,
glória e números, e daí em diante o conduz em forma de remanescente. Ele não Se
identifica com esse testemunho em poder e glória como fazia antes quando foi
estabelecido pela primeira vez. Se Ele fizesse isso, iria parecer perante o
mundo que Ele estava consentindo no seu estado caído e corrompido. Em vez
disso, Ele recorre ao Seu poder e graça soberana para manter o Seu testemunho,
porém em forma de remanescente. A palavra “remanescente” quer dizer uma pequena
parte do todo. Logo, a própria natureza de tal testemunho é a pequenez em
tamanho. Se todo o Seu povo estivesse ali participando dele, não seria um
remanescente. Deus agiu segundo esse princípio em Israel no passado; Ele fará
isso novamente com o remanescente judeu em um dia vindouro; e Ele está fazendo
isso hoje no testemunho Cristão.
Para enxergar
com mais clareza esse princípio na Palavra de Deus, vamos passar para
Deuteronômio 12:5-7; “Mas o lugar que o Senhor vosso Deus escolher de todas as vossas tribos,
para ali pôr o Seu nome, buscareis para Sua habitação, e ali vireis. E ali
trareis os vossos holocaustos, e os vossos sacrifícios, e os vossos dízimos, e
a oferta alçada da vossa mão, e os vossos votos, e as vossas ofertas
voluntárias, e os primogênitos das vossas vacas e das vossas ovelhas. E ali
comereis perante o Senhor vosso Deus.” Isso mostra claramente que o desejo original de Deus
para o Seu povo Israel era reuni-lo para a adoração nesse lugar único de Sua
escolha, que era Jerusalém.
Agora vamos
passar para 1 Reis 11:9-13: “Pelo que o Senhor Se indignou contra Salomão: porquanto desviara o seu
coração do Senhor Deus de Israel, O qual duas vezes lhe aparecera. E acerca
desta matéria lhe tinha dado ordem que não andasse em seguimento de outros
deuses: porém não guardou o que o Senhor lhe ordenara. Pelo que disse o Senhor
a Salomão: Pois que houve isto em ti, que não guardaste o Meu concerto e os
Meus estatutos que te mandei, certamente rasgarei de ti este reino, e o darei a
teu servo. Todavia nos teus dias não o farei, por amor de Davi teu pai: da mão
de teu filho o rasgarei: Porém todo o reino não rasgarei: uma tribo darei a teu
filho, por amor de Meu servo Davi, e por amor de Jerusalém, que tenho elegido.”
Então, nos
versículos 29-36 diz: “Sucedeu, pois, naquele tempo que, saindo Jeroboão de Jerusalém, o encontrou
o profeta Aías, o silonita, no caminho, e ele se tinha vestido dum vestido
novo, e sós estavam os dois no campo. E Aías pegou no vestido novo que sobre si
tinha, e o rasgou em doze pedaços. E disse a Jeroboão: Toma para ti os dez
pedaços, porque assim diz o Senhor Deus de Israel: Eis que rasgarei o reino da
mão de Salomão, e a ti darei as dez tribos. Porém ele terá uma tribo, por amor
de Davi, Meu servo, e por amor de Jerusalém, a cidade que elegi de todas as
tribos de Israel. Porque me deixaram, e se encurvaram a Astarote, deusa dos
sidônios, a Camós, deus dos moabitas, e a Milcom, deus dos filhos de Amom; e
não andaram pelos Meus caminhos, para fazerem o que parece reto aos Meus olhos,
a saber, os Meus estatutos e os Meus juízos, como Davi, seu pai. Porém não
tomarei nada deste reino da sua mão: mas por príncipe o ponho por todos os dias
da sua vida, por amor de Davi, Meu servo, a quem elegi, o qual guardou os Meus
mandamentos e os Meus estatutos. Mas da mão de seu filho tomarei o reino, e to
darei a ti, as dez tribos dele. E a seu filho darei uma tribo; para que Davi,
Meu servo, sempre tenha uma lâmpada diante de Mim em Jerusalém, a cidade que
elegi para pôr ali o Meu nome.”
Em seguida, no
capítulo 12:22-24 diz: “Porém veio a Palavra de Deus a Semaías, homem de Deus, dizendo: Fala a
Roboão, filho de Salomão, rei de Judá, e a toda a casa de Judá, e a Benjamim, e
ao resto
[remanescente – KJV] do povo, dizendo: Assim diz o Senhor:
Não subireis nem pelejareis contra vossos irmãos, os filhos de Israel; volte
cada um para a sua casa, porque Eu é que fiz esta obra.”
Vemos com isso
que embora o desejo original de Deus fosse que todo o Seu povo se reunisse em
Jerusalém para oferecer seus sacrifícios (Dt 12), como o fracasso tinha entrado,
Ele não iria continuar o Seu testemunho no Seu centro divino no mesmo poder e
glória de antes. Salomão e os filhos de Israel tinham falhado e se desviado do
Senhor para a idolatria (1 Rs 11:10-11, 33), o que levou o Senhor a mudar os
Seus caminhos em relação a eles. Ele iria reduzir o tamanho, o poder e a glória
do Seu testemunho em Israel e iria levá-lo daí em diante em um “remanescente”. Esta é a primeira vez na Escritura
que essa palavra é usada em conexão com o testemunho público do povo de Deus. É
importante observar a “regra da primeira vez” na interpretação bíblica, isto é,
quando algo é usado pela primeira vez na Escritura, ele geralmente dá o sentido
de como ele será usado posteriormente em outras passagens. Assim, fazemos bem
em prestar atenção ao que é dito aqui. O princípio de um testemunho
remanescente é desenvolvido com mais detalhes em Ezra e Neemias, e nos escritos
dos profetas Ageu, Zacarias e Malaquias. Entretanto, eu fiz vocês olharem essa
passagem em 1 Reis porque ela demonstra o princípio de forma clara e simples.
O que é
importante ver aqui é que houve uma mudança marcante nos caminhos de Deus
quando o fracasso chegou. Ele removeu dez das tribos do centro divino e manteve
apenas “uma tribo” lá – um remanescente. Isso não foi
uma contradição dos princípios de Deus, mas uma mudança em Seus caminhos quando
o fracasso generalizado tinha chegado.
Agora você
poderia dizer: “Consigo ver esse princípio no trato de Deus com Israel no Velho
Testamento, mas será que ele pode ser aplicado àqueles que vivem nos tempos do
Novo Testamento? Realmente existe essa coisa de testemunho remanescente na
Igreja?” A resposta, de forma inequívoca, é sim. Você vê isso na passagem que
olhamos em 2 Timóteo 2:19-22. Ali, Deus encoraja os crentes exercitados a se
separarem da mistura existente na casa de Deus e a se retirarem para uma
posição remanescente “com os que, com um coração puro, invocam o Senhor”.
Mas, para ver
isso de forma mais clara, abra agora em Apocalipse, capítulos 2 e 3. Esses
capítulos trazem um esboço da história profética da Igreja desde os seus dias
iniciais, logo depois dos apóstolos, até os seus últimos dias. Se seguirmos o
curso das coisas como retratado nas mensagens às sete igrejas, veremos um curso
de declínio no testemunho Cristão, até que finalmente se chega a um ponto em
que não há restauração, e a partir daí o Senhor age segundo o princípio de um
testemunho remanescente.
Em Éfeso,
aprendemos que “o
anjo da igreja”
(os líderes responsáveis) julgou corretamente tudo o que era incompatível com o
Senhor. Ali diz que eles não podiam “suportar os maus” (TB). Infelizmente, porém, seu
coração não estava com Ele nisso (Ap 2:2-4). Em Esmirna, qualquer aumento
no declínio foi temporariamente suspenso pelas grandes perseguições que vieram
sobre a Igreja. A severidade da provação lançou-os de volta ao Senhor. Porém,
em Pérgamo, quando os tempos de grande perseguição acabaram, “o anjo da igreja” começou a tolerar alguns que seguiam
“a doutrina de
Balaão”,
que é o mundanismo e a idolatria. O anjo não foi acusado de seguir essas doutrinas,
mas o Senhor encontrou culpa nele por ele não denunciar o mal, como fez o anjo
em Éfeso.
Em Tiatira,
prevalecia uma condição pior: “o anjo da igreja” permitiu que a mesma má doutrina e prática sustentadas por alguns em Pérgamo fossem ensinadas! (Compare Apocalipse 2:14 com 2:20.) O que começou
com alguns sustentando má doutrina resultou em muitos ensinando a má doutrina.
Isso mostra que se o mal está sendo sustentado e a situação não é julgada, ele
acabará sendo proposto. Em Tiatira, o ensino desse mal evoluiu para um sistema
de coisas chamado “Jezabel”, que certamente corresponde ao
catolicismo. Na Idade Média, esse sistema perverso exercia, com sua força e
organização, um domínio tão tirânico sobre a Igreja como um todo que controlava
o anjo! Aqueles que ocupavam o lugar de responsabilidade haviam falhado em
lidar com a coisa quando tinham condições, e agora ela tinha se transformado em
um monstro que os controlava! (Compare Atos 27:14-15. O “euro-aquilão”, um forte vento mediterrâneo, batia
sobre a embarcação, e os marinheiros não podiam fazer nada,
senão “deixando ela ir” [JND]). A figura de “Jezabel” é apropriadamente usada aqui,
porque essa mulher não só introduziu formalmente a idolatria para Israel, como
também controlou e manipulou seu marido, o rei Acabe.
Sendo assim o
estado público da Igreja, onde não restou poder algum para lidar com o mal, o
Senhor separou um remanescente, dizendo: “Mas Eu digo a vós, os restantes [remanescentes]...” (JND) Ele abandonou a massa (Ap
2:24). Dali em diante, Ele trabalhou com um remanescente que ouviria o que o
Espírito estava dizendo às igrejas. Aqui temos a palavra “remanescente” sendo usada em conexão com o
testemunho Cristão. É significativo que o Senhor não tenha colocado sobre eles
o “fardo” (TB) de consertar a confusão no
testemunho Cristão, em um esforço de trazer a Igreja de volta para onde ela uma
vez esteve. Em vez disso, Ele redirecionou o foco deles para a Sua vinda,
dizendo: “retende-o
até que Eu venha”
(Ap 2:25).
Daquele ponto
em diante é vista uma mudança marcante nos caminhos do Senhor com a Igreja. Até
ali, a voz do Espírito era para toda a Igreja. “O que o Espírito diz às igrejas” vinha antes da promessa oferecida ao vencedor nas três primeiras
igrejas. Isso indica que a recompensa para o vencedor foi colocada diante de
toda a Igreja, pois o Senhor ainda estava lidando com ela de um modo geral. Mas
agora, nesse ponto, a ordem é invertida. O chamado “ouça o que o Espírito diz às igrejas” vem depois da promessa para o vencedor. É esta a ordem nas últimas
quatro igrejas. O que o Espírito tem a dizer a respeito da ordem da Igreja não
é mais direcionado à massa, mas apenas ao vencedor. Isso porque se supõe que
somente o vencedor irá ouvir o que o Espírito está dizendo; não se espera que a
massa irá ouvir e se arrepender. A previsão de Paulo para Timóteo de que as
massas “desviarão
os ouvidos da verdade” aconteceu (2 Tm 4:2-4) e, portanto, o Espírito não está mais falando
com o corpo como um todo.
Ao comentar
essa mudança, J. N. Darby disse que o corpo como um todo é “deixado de lado”
desse ponto em diante, porque a massa pública na profissão Cristã é tratada
como sendo incapaz de ouvir e arrepender-se. W. Kelly disse, “o Senhor a partir
de então coloca primeiro a promessa [ao vencedor], e a razão para isso é que é
em vão esperar que a Igreja como um todo a receba... apenas um remanescente
vence, e a promessa é para eles; quanto aos outros, está tudo acabado”. Como
resultado, o Senhor já não esperava que a massa da profissão Cristã fosse ouvir
e retornar ao ponto de onde se tinha desviado. Qualquer ideia de recuperar a
Igreja como um todo é abandonada porque ela atingiu um ponto sem chance de
recuperação. É por isso que eu não creio que o Espírito esteja necessariamente
falando a cada pessoa na Cristandade hoje a respeito da verdade de reunião. Com
a maioria, Ele está deixando que elas sigam o seu próprio caminho em relação às
suas afiliações eclesiásticas.
Trabalhando com
um testemunho remanescente desde essa época, aprouve ao Senhor recuperar a
verdade que foi perdida pelo descaso na Igreja nos séculos anteriores. No
entanto, Ele não achou apropriado recuperar toda a verdade de uma só vez. O
remanescente mencionado em Apocalipse 2:24-29 são os Valdenses, os Albigenses,
e outros como eles que se separaram do mal de “Jezabel” nos tempos medievais. Foi dito a eles, “retende” a pouca verdade que possuíam. Algum tempo depois,
chegando até a Reforma, o Senhor permitiu que um pouco mais de verdade fosse
recuperado, como por exemplo a supremacia da Bíblia e a fé unicamente em Cristo
para a salvação. Mas esse movimento do Espírito foi barrado pelos reformadores,
que recorreram a certos governos nacionais em busca de ajuda contra as
perseguições da igreja de Roma. Isso foi o mesmo que recorrer à carne em busca
de ajuda, em vez de depender do Senhor (Jr 17:5; Sl 118:8-9; Is 31:1). O
resultado foi a formação das grandes igrejas nacionais na Cristandade, e teve
início a condição de morto do protestantismo, como retratado na igreja em Sardes
(Ap 3:1-6).
Não foi senão
até o início de 1800 que o Senhor trouxe uma recuperação completa da “fé que uma vez foi dada aos santos” (Jd 3), que aconteceu quando homens
saíram de toda organização formal, feita pelo homem, na Igreja. Isso é
retratado na mensagem do Senhor à igreja em Filadélfia (Ap 3:7-13).
Nesse momento, Deus estabeleceu um testemunho corporativo para a verdade do um
só corpo. Antes disso, o remanescente consistia em indivíduos que procuravam
seguir fielmente em separação da corrupção da igreja romana. Estamos agora em
dias em que cada um está fazendo o que é reto aos seus próprios olhos (Jz
21:25), e a maioria está satisfeita no seu triste estado. Isso é retratado na
igreja em Laodiceia (Ap 3:14-22).
A questão aqui
é que o testemunho Cristão atingiu um ponto de irremediável ruína, o que exigiu
uma mudança no modo de o Senhor tratá-lo. Ele abandonou qualquer tentativa de
restaurar o estado público da Igreja e agora está trabalhando em um testemunho
remanescente.
Assim como foi
com Israel, para manter hoje um testemunho remanescente da verdade do um só
corpo, o Senhor não precisa ter todos os Cristãos no mundo congregados ao Seu
nome, embora seja este o Seu desejo
para com eles. Como mencionado, o próprio significado da palavra remanescente
implica que nem todos estão ali. Em divina prerrogativa e graça, Deus está tomando
um aqui e outro ali, e está reunindo-os ao nome do Senhor para que esse
testemunho remanescente possa ser levado adiante. A manutenção do testemunho é
uma obra soberana. Isso é visto na observação que o Senhor faz à Filadélfia: “O que abre, e ninguém fecha; e fecha,
e ninguém abre”
(Ap 3:7). Nenhum homem ou demônio pode impedir a continuação desse testemunho,
ainda que ele possa parecer seguir em muita fraqueza. Por mais humilde que
seja, o Senhor não precisa de nenhum daqueles que Ele reuniu, independentemente
de quão talentosos ou espirituais eles possam ser. Se não quisermos estar ali e
formos embora, o Senhor irá reunir outra pessoa para que esse testemunho
remanescente seja levado adiante até Sua vinda. Só o fato de existir alguém
reunido já é inteiramente uma obra de Deus; a graça que salva uma alma é a
mesma graça que reúne ao nome do Senhor. Se algum de nós ouviu “o que o Espírito diz às igrejas” e enxerga a verdade de reunião, é
só porque Ele abriu os nossos ouvidos (Pv 20:12).
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